Entre acusações, as empresas argumentam que houve favorecimento à empresa vencedora e que o equipamento oferecido por ela tem botão de ‘excluir’, mesmo com o edital ‘vedando a exclusão manual dos arquivos’. Polícia Militar diz que está cumprindo rigorosamente todas as determinações da Lei Geral de Licitações.
Seis empresas que participaram do pregão para o fornecimento de novas câmeras corporais da Polícia Militar de São Paulo entraram com um recurso pedindo a suspensão do edital por “indícios de fraude” no processo da licitação. A ação ainda está em fase de recurso.
As empresas apontaram falhas em testes técnicos e direcionamento no pregão para que a Motorola vencesse a licitação. Entre as acusações, as empresas argumentam que houve favorecimento da empresa vencedora e que o equipamento oferecido por ela tem um botão de “excluir”, mesmo com o edital “vedando a exclusão manual dos arquivos”.
A Polícia Militar afirmou, por meio de nota, que as “denúncias são infundadas” e que “o pregão eletrônico para a contratação de 12 mil novas câmeras operacionais portáteis (COP) está em curso, cumprindo rigorosamente todas as determinações da Lei Geral de Licitações”. (leia mais abaixo)
As empresas Tronnix Soluções de Segurança, Interimagem Tecnologia, Construção e Energia, Teletex Computadores e Sistemas ltda, Ipq Tecnologia ltda, BB Comércio e Instalação de Equipamentos Eletricos ltda e Teltex Tecnologia S.A alegam que a Motorola foi beneficiada em todo o processo.
O prazo para recursos se encerrou na quinta-feira (11). Até esta terça-feira (16) é o limite para a apresentação de contrarrazões, e até quinta-feira (18) a data limite para a decisão.
Segundo as empresas:
a Motorola não entregou documentos pedidos no edital, entre eles, que comprovassem que tinha certificação da Anatel do leitor de Identificação por Radiofrequência. Segundo o edital, “o equipamento deve estar devidamente homologado pela Anatel”
a Motorola não entregou um equipamento que responda as exigências do edital
a Motorola teve mais oportunidades do que as concorrentes de realizar testes dos produtos: no dia 19 de junho, no dia 20, 21 – quando teve acesso a outras salas do departamento de tecnologia do governo para realizar testes – e dia 24 de junho. A Interimagem argumenta ainda que um dos testes foi acompanhado por um membro da comissão da empresa EMITER, julgadora da proposta.
As câmeras da Motorola foram aceitas mesmo com um botão para excluir o conteúdo gravado. No edital, nos requisitos é “vedada a exclusão manual de arquivos”.
A empresa privada Emiter, citada nas ações, teria feito parte da comissão julgadora para escolher a vencedora da licitação assumindo “o papel de agente de contratação, ficando toda a condução da fase interna do edital sob sua responsabilidade”. Os documentos também pedem o afastamento da empresa do processo de licitação.
O edital para a contratação para 12 mil novas câmeras corporais para a PM é de maio deste ano. Entre as novas funções que estão na especificação técnica do contrato destaca-se a integração do equipamento com o Programa Muralha Paulista, com capacidade para identificação de foragidos e placas de veículos roubados ou furtados.
O governo ainda diz que haverá a possibilidade de compartilhar os registros de áudio e vídeo automaticamente com o Ministério Público, o Poder Judiciário e demais órgãos de controle, seguindo as regras estabelecidas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Em 10 de junho, durante o pregão, a Motorola ofereceu o menor preço para fornecer os novos equipamentos e sistema das Câmeras Operacionais Portáteis (COPs):
Valor por equipamento: R$ 360,83
Fornecedor: Motorola
Total mensal: R$ 4.329.960,00
Fim das gravações ininterruptas
Segundo o edital, a gravação de vídeos pelo equipamento deverá ser realizada de forma intencional, ou seja, o policial será responsável pela escolha de gravar ou não uma ocorrência.
A captura de imagens também não será mais ininterrupta como ocorre atualmente. E na prática, a mudança pode dificultar investigações de atos de violência policial porque deixará a decisão sobre ligar ou não o equipamento a cargo dos agentes.
O que diz a PM
“A Polícia Militar do Estado de São Paulo ressalta que o Pregão Eletrônico para a contratação de 12 mil novas câmeras operacionais portáteis (COP) está em curso, cumprindo rigorosamente todas as determinações da Lei Geral de Licitações. Seu andamento é acompanhado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), pela Procuradoria Geral de Justiça, pelo Ministério Público Estadual, pelo Tribunal de Contas do Estado, entre outros órgãos de controle externo. Portanto, as denúncias são infundadas.
Conforme publicado na edição do Diário Oficial do Estado (DOE) do dia 3/7, todas as amostras de testes para a prestação de serviços disponibilizadas para a prova de conceito cumpriram os requisitos legais, técnicos e tecnológicos exigidos, demonstrando alta capacidade de desempenho, segurança e integridade. Não foi registrado qualquer elemento ou dispositivo ilegal ou em desacordo com o edital.
Atualmente, o certame está na fase de análise de recursos administrativos. Os eventuais questionamentos apresentados serão respondidos dentro do prazo legal e publicados no DOE e na plataforma compras.gov.br para consulta pública.
Esclarecemos ainda que o consórcio Emiter-Future, contratado por meio de licitação em 2020, presta serviço técnico especializado à Polícia Militar no planejamento e gerenciamento de projetos de telecomunicações, incluindo o das COPs. A indicação do pregoeiro e a composição de sua equipe de apoio atendem integralmente ao disposto na Lei de Licitações.
Conforme informado no início do certame, as exigências técnicas do edital não abrangem as regras normativas e disciplinares que regulam a correta utilização das COPs. A Polícia Militar publicou a portaria complementar (PM1-4/02/24) com as diretrizes que disciplinam o uso das câmeras operacionais portáteis (COPs). Os equipamentos deverão ser utilizados em todas as ações policiais, com prioridade para o emprego de tropas equipadas com o dispositivo em operações de grande porte ou de preservação da ordem pública. As diretrizes estão em linha com a Portaria nº 648/2024 do Ministério da Justiça e Segurança, bem como com demais normas da legislação vigente”
Histórico
A implantação do programa de acoplar câmeras aos uniformes de policiais militares, batizado de “Olho Vivo”, começou em São Paulo em julho de 2020, com 30 aparelhos.
Em fevereiro de 2023, pouco depois de o atual governador Tarcísio de Freitas assumir o cargo, a PM paulista já tinha 10.125 câmeras à disposição.
No início do governo, Tarcísio, que se posicionou contrário às câmeras durante a campanha de 2022, chegou a dizer que estudava ampliar o programa.
O número, porém, permaneceu estagnado pelo menos até junho de 2023, segundo levantamento feito pelo g1.
Em outubro, o governador decidiu tirar R$ 15 milhões da verba destinada ao programa, um corte de cerca de 10% do valor total. Na época, a Secretaria da Segurança Pública (SSP-SP) alegou queda na arrecadação como justificativa.
Em setembro, uma ação civil pública pediu que a Justiça obrigasse o governo de São Paulo a instalar câmeras corporais nos policiais militares e civis que atuam na Operação Escudo, na Baixada Santista.
A Justiça de São Paulo chegou a atender o pedido da Defensoria Pública do Estado e do Ministério Público (MP-SP), mas a liminar foi suspensa no dia seguinte.
O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF) em dezembro do ano passado. Em março, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, deu prazo de 10 dias para que o estado de São Paulo se manifestasse diante de uma ação da Defensoria Pública, que pede o uso de câmeras corporais nas fardas da Polícia Militar.
O uso do equipamento nos uniformes da PM em SP evitou 104 mortes, segundo levantamento da FGV em dezembro de 2022 e a letalidade dos policiais em serviço foi a menor da história no ano passado, de acordo com um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com a Unicef divulgado em maio de 2023.