Em São Paulo, como em tantas outras cidades do Brasil, a rotina de quem precisa colocar comida na mesa tornou-se um retrato da desigualdade social que se espalha silenciosamente. O custo dos alimentos básicos não para de subir, enquanto o poder de compra das famílias segue enfraquecido. A feira que antes garantia variedade agora se transformou em um campo de escolhas dolorosas: entre o arroz e o feijão, entre a carne e o gás. O país que um dia se orgulhou de ter saído do mapa da fome hoje convive novamente com milhões de brasileiros sem acesso pleno a uma alimentação digna. Essa realidade não se restringe às periferias — ela se espalha pelos centros urbanos, onde o preço da comida virou símbolo da crise social.
O impacto da inflação alimentar no Brasil é mais profundo do que mostram as estatísticas. Ele atravessa lares, muda hábitos e redefine o que significa se alimentar. O aumento nos preços dos alimentos frescos e o avanço dos ultraprocessados escancaram o abismo entre quem pode escolher e quem apenas sobrevive. Nas ruas de São Paulo, é possível perceber a contradição de um país que exporta toneladas de grãos, mas não consegue garantir comida de qualidade aos seus próprios cidadãos. Essa lógica cruel transforma o ato de comer em uma disputa diária por sobrevivência, e a mesa brasileira, antes símbolo de abundância, passa a ser um reflexo das desigualdades que estruturam a nação.
A alta nos preços é resultado direto de um modelo de produção e distribuição concentrado. O agronegócio, que domina a pauta econômica do país, prioriza a exportação e deixa em segundo plano o abastecimento interno. Enquanto o Brasil lidera rankings de produção de soja, milho e carne, os alimentos que chegam ao prato da população urbana são cada vez mais caros. Em São Paulo, agricultores familiares relatam a dificuldade de competir com grandes redes e a falta de apoio para escoar seus produtos. O resultado é um mercado distorcido, em que o lucro fala mais alto que a soberania alimentar. Essa estrutura amplia a dependência de produtos industrializados e enfraquece a relação entre campo e cidade.
A desigualdade alimentar brasileira também se manifesta na geografia urbana. Nos bairros centrais, é possível encontrar mercados com oferta variada e alimentos frescos de qualidade. Já nas periferias, as prateleiras se resumem a produtos ultraprocessados, mais baratos e com prazos longos de validade. Essa disparidade cria o que especialistas chamam de desertos alimentares — regiões onde o acesso a comida saudável é limitado. Em São Paulo e em outras capitais, essa configuração reforça a ideia de que comer bem é um privilégio. A cidade se torna espelho de um país onde o direito à alimentação é tratado como mercadoria e não como política pública.
O retorno da fome ao Brasil é também o resultado de escolhas políticas. A ausência de programas robustos de segurança alimentar e o desmonte de políticas sociais ampliaram a vulnerabilidade de milhões de famílias. Em São Paulo, iniciativas locais tentam suprir o vazio deixado pelo Estado, com cozinhas comunitárias, hortas urbanas e redes de solidariedade. No entanto, essas ações, embora importantes, não conseguem compensar o desmonte estrutural. A crise alimentar se torna, assim, um sintoma do abandono social. O prato vazio passa a ser a medida mais real do fracasso das políticas econômicas que priorizam o lucro sobre o bem-estar coletivo.
O drama da comida cara não é apenas econômico — ele é humano. Em cada casa onde o feijão é racionado e o café é diluído, existe uma história de resistência. A mãe que improvisa receitas, o trabalhador que pula refeições, o idoso que troca remédios por alimentos: todos compõem o retrato doloroso de um país em desequilíbrio. São Paulo ilustra de forma intensa essa realidade, com um contraste evidente entre restaurantes lotados nas áreas nobres e filas por marmitas em bairros populares. Comer, algo essencial, tornou-se uma questão de sobrevivência que escapa às estatísticas e invade o cotidiano.
A reconstrução da segurança alimentar no Brasil depende de um pacto coletivo. É urgente que políticas públicas devolvam protagonismo à agricultura familiar, incentivem a produção local e garantam o acesso igualitário à comida saudável. Cidades como São Paulo poderiam liderar esse movimento, fortalecendo feiras regionais, ampliando programas de merenda escolar e criando incentivos fiscais para alimentos frescos. Combater a fome é mais do que distribuir cestas básicas — é repensar o sistema alimentar de forma justa, sustentável e solidária. A transformação começa no território, onde se plantam não só alimentos, mas também dignidade.
O Brasil vive hoje um dos momentos mais desafiadores de sua história alimentar. O que está em jogo vai além da inflação ou da escassez: trata-se do direito à vida. A mesa brasileira, que um dia simbolizou fartura e partilha, reflete agora o desequilíbrio de um país que produz muito, mas reparte pouco. Em São Paulo e em tantas outras cidades, a fome deixou de ser invisível. Ela está nos rostos, nas escolas, nas ruas e nas cozinhas. O desafio que se impõe é transformar essa tempestade em oportunidade de mudança — para que o prato volte a ser espaço de alimento, e não de ausência.
Autor: Donald Williams

